tag:blogger.com,1999:blog-2254876497428882772024-03-14T06:00:38.195+00:00Poesia e outras aventuras« - Bem sei que podem perseguir-me, arrancar-me os olhos, torcer-me as orelhas, transformar-me em lagarto, em morcego, em aranha, em lacrau! Mas juro que não hei-de ser infeliz PORQUE NÃO QUERO.»
[Aventuras de João Sem Medo - Panfleto Mágico em forma de Romance, José Gomes Ferreira]
«Fica a saber claramente:não trocaria a minha desgraça pela tua servidão.» [Fala de Prometeu, em Prometeu Agrilhoado, Ésquilo]Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.comBlogger107125tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-83336181476308749532024-02-06T22:42:00.002+00:002024-02-06T22:42:26.896+00:00<p> <span style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; white-space-collapse: preserve;">Necessidade de me afastar dos turistas. De certos turistas. Não se consegue ver Gaudi. Não há silêncio. Preciso de silêncio para ver. Não me parece que alguém consiga sentir arte com esta agitação. Numa algazarra lambida de selfies. Terminei a manhã acometida por uma angústia proporcional à esmagadora Sagrada Família. Uma beleza incomensurável abafada pela fermentação de vozes e a agitação obstinada de corpos com as quais não pude conviver. Lá se escoou o divino da arte. </span><span style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; white-space-collapse: preserve;"><a style="color: #385898; cursor: pointer; font-family: inherit;" tabindex="-1"></a></span><span style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; white-space-collapse: preserve;">Primeiro enfiei-me numa tasca numa ruela recôndita. Sem pergaminhos turísticos: cartazes da bola, flores de plástico, mesas vazias, um homem a beber e a ler o jornal. Foi um descanso. Depois, o museu. Felizmente, existem museus, e a arte contemporânea não é procurada pelo turismo de massas. Pude encontrar tranquilidade e belíssimas exposições / instalações no Museu de Arte Contemporânea de Barcelona. Passei lá uma tarde perfeita, até fechar. Esbanjei emoções. Quase rebolei no chão, como no mar. À saída, num beco, perdida a frase “touristes go home!”. Há uma vertente de consumo em certo turismo que se assemelha aos saldos da Primark. Ao lado do hotel, onde estou alojada, há uma enorme Primark num edifício belíssimo, com filas intermináveis de pessoas de todas as línguas. Parece-me que o mundo inteiro veio aos saldos a Barcelona. Mais adiante, uma praça, onde muitos turistas passam o dia a fotografar pombos. Aqui, como em Lisboa, também há muitas pessoas a dormir na rua, em tendas e em cartões. Julgo que o crescimento deste turismo da selfie é directamente proporcional ao crescimento de pessoas que dormem na rua. O que procuram estas pessoas? Os turistas procuram “felicidade”? E as pessoas condicionadas à rua? procuravam “felicidade”? A “felicidade” consubstancia-se quando alcançamos as nossas ambições? As pessoas a acotovelarem-se por uma selfie, com a Sagrada Família como pano de fundo, pareciam felizes. E eu a ver crescer em mim um abismo de angústia. Quando entrei na primeira instalação do museu, subi acima dos anjos colocados no topo da catedral. Estou em Barcelona porque a minha família me empandeirou para aqui, achando que eu precisava de férias. Ofereceram-me esta viagem (obrigatória) no Natal. Foi uma espécie de complot de amor (acho que isto não existe, mas juntaram-se todos para me mandar descansar). E aqui estou, a viver plenamente esta belíssima cidade, com tudo o que isso implica. Já vou conhecendo os cantos à casa, os caminhos de silêncio, onde consigo pensar, deambular, transgredir. Preciso de transgressão, e esta cidade oferece essa possibilidade; tem espaço e luz. Gravita em arte. Quando aqui cheguei, saí do hotel e caminhei instintivamente até ao mar. É a minha maneira de me instalar.</span></p><p><span style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; white-space-collapse: preserve;"><br /></span></p><p><span style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; white-space-collapse: preserve;">Barcelona, 15/01/2024</span></p>Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-11262029920208876932023-11-02T22:12:00.003+00:002023-11-02T22:12:55.642+00:00<p> </p><p class="MsoNormal">Tantas palavras que sei<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Tantas palavras colhidas<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">alegres sofridas cansadas <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">tristes malvadas sentidas<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">campo de folhas caídas<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">por vezes desencontradas<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">por vezes descontroladas<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Violentas fugazes mansas<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Palavras de amor amadas<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Palavras de amor perdidas<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Palavras de amor por nada<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Por nada palavras vida<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Cantadas rimadas furiosas<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">So-le-tra-das invisíveis<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Fúteis rudes manhosas<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">ranhosas gulosas glosas<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Palavras água de rosas<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Palavras esmagadas esquecidas<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Palavras ensanguentadas<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Deixadas na enxurrada<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Caladas lama lambidas<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Gritos lamentos feridas<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Só a guerra é inefável<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Insondável indizível<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Morrível <a name="_Hlk149853637">horrível</a><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">HORRÍVEL<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Horrível (sem palavras)<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">(<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>)<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Sem <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">palavras.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal">Raquel Alves Coelho | 2 de Novembro de 2023<o:p></o:p></p>Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-92043290131541215182023-04-17T21:59:00.002+01:002023-04-17T21:59:53.591+01:00<p> </p><p class="MsoNormal">Os gatos brincam com os pássaros<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Que saem dos ninhos<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Até à morte<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Os gatos não comem os pássaros<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Brincam <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Sangram a Primavera<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Sangram<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal">Com as unhas curvadas <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Brincam<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Recurvam ondulam <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Brincam com os pássaros <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Até à morte<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Não sabem <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Brincam<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Até à morte<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Sangram os pássaros<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Sangram<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Sem o primeiro voo<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Morrem<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Os pássaros com asas<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal">Os homens como gatos<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Na guerra <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Brincam<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Até à morte (sabem)<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Os homens sangram sem asas<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">A Primavera nocturna (não amanhece)<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Sangra<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal">Raquel Alves Coelho | 17/04/23<o:p></o:p></p>Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-14634194494647189652022-03-03T23:47:00.004+00:002022-03-03T23:47:58.421+00:00<p> A ALHEIRA</p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Trouxe uma alheira de Lamego.
Assada no forno, dissipou aromas que me trouxeram à memória a destreza de quem
inventou aquela maneira de ludibriar a tirania da Inquisição. Que elegância se
eleva perante a malvadez na invenção de uma alheira. Devo ter alguma
ascendência judia, talvez. Não que o saiba, mas porque todos teremos certamente
origem num único ponto, numa espécie de raça única de onde germinou a
humanidade. Lembro-me de pensar em criança que seria de todas as raças e
provinha de todos os povos. A minha mãe costumava dizer-me que os meus olhos
papudos eram característicos dos lapões. E mostrava-me, num livro, de cujo nome
não me lembro, o rosto de uma jovem da Lapónia com as pálpebras salientes, que
viam em mim. Parece que esta espécie de edema protege da luz intensa do sol
reflectido na neve. Mas eu, se vivi na Lapónia, foi há centenas ou milhares de
anos. Mais tarde, ao ler um livro de contos populares chineses, lá pelos meus
dez anos, convenci-me de que as minhas origens estavam na China (também me
diziam que tinha olhos de chinesa, o que me permitia escolher). Os chineses
também têm esta membrana que cobre as pálpebras, tal como os japoneses e os
lapões. E eu. A minha afinidade com essa cultura, a música e as danças, o
teatro de sombras, os leques, o modo de estar à mesa, a poesia, a escrita e a
cultura chineses, tudo me fascinou, desde sempre, com uma espécie de saudade
prévia. Ou porque há coisas que conhecemos antes de sabermos que existem. Foi
essa existência prévia que me convenceu da minha ascendência japonesa: uma
longa história que ainda não terminou. Depois, foi Marrocos, onde cada recanto
me foi tão próximo como a cidade onde nasci. Revisitei pessoas que nunca vi,
reconheci aromas, cores, a luz baça da tarde na quietude languida de Agosto, os
sabores e o toar das vozes, mais uma vez o teatro, a música, a voluptuosidade. Então,
fui marroquina, também. Depois, ainda - e antes de tudo isto - trouxe em mim o
sangue de todos os povos, dessa raça una que se desmembrou e reside fragmentada
na memória dos tempos. Essa humanidade que gravita em nós e em nós desfalece,
essa onda que se abate na areia, se esvai, insondável. Aparentemente
transitória. A arbitrariedade da guerra. A inevitabilidade de inventar
alheiras. Nunca tinha pensado na elegância de uma alheira diante de um tirano.
Uma delícia, ademais. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Raquel Alves Coelho | 03/03/22<o:p></o:p></p>Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-13344093959255613972020-04-25T21:08:00.004+01:002020-04-25T21:08:47.677+01:00O homem da Rua S<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;">Na Rua S, o silêncio estrondeou na
pressão do mundo suspenso. Não houve tempo sequer para arrumar os passos nas
ruas.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Recolhimento abrupto provocado por nada
que se visse. Tememos fantasmas, almas penadas, lobisomens, e outros papões da
imaginação dos oprimidos do medo. De resto, não me recordo de alguma vez termos
fugido do invisível, do incorpóreo, do que não tem odor nem som, mas que nos
persegue, tácito como um espectro, e nos mata, sondava o homem da Rua S. Ainda
ontem estas ruas do centro da cidade vociferavam em múltiplas línguas desse
frenesim de consumo turístico. Hoje, nem dois passos ecoam no oco da cidade
nua. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O homem da Rua S sentiu a paz plena
por poder respirar o silêncio há muito perdido no centro histórico onde
habitava. Já se ouviam os pássaros. De onde teriam regressado? O estancar
abrupto da engrenagem da vida agradou-lhe. Imergiu em projectos, afazeres,
rotinas novas, e, fez compras através da<i style="mso-bidi-font-style: normal;">
Internet,</i> onde agora estavam todos reunidos nessa comunidade tão bem
engendrada, o bastante para as suas necessidades materiais, físicas,
intelectuais, sociais: compras <i style="mso-bidi-font-style: normal;">online</i>,
actividade física, música, livros, notícias sobre o medo, que não o atormentava
porque tinha decidido não sair de casa, nem sequer para fruir a súbita quietude
da Rua S. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O homem da Rua S foi seguindo o rumo
dos dias, satisfazendo projectos que não suspeitaria poder concretizar há
poucas semanas atrás. Finalmente tinha tempo. Tempo!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O tempo é um abismo traiçoeiro que
ilude na sua cadência insondável. O homem da Rua S vagueou pelos dias como um
caminhante fortuito no deserto. Essa imensidão da liberdade inusitada dos
primeiros dias tornara-se a Medusa que o transformaria em rocha. A solidão não
é estar sozinho, mas a ausência de humanidade. Há uns dias que sondava, e apercebera-se
que nem uma só vida humana se manifestava em seu redor. Nem um som de
vizinhança, ninguém abeirado numa janela, o troar de uma porta que bate. Nada. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">O homem da Rua S trabalhava fora do
bairro onde vivia e fugia ao afã das centenas de turistas que por ali
rodopiavam diariamente, antes da pandemia, por isso, nunca se apercebera de que
já ninguém habitava as redondezas. Não tinha um único vizinho, nem no prédio de
quatro andares, onde ocupava o último, nem nos que lhe eram próximos. Tudo
convertido em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">hostels </i>e <i style="mso-bidi-font-style: normal;">airbnb</i>. Confirmava-o o contentor do
lixo, onde apenas ressoava o saco com os restos que agora ali depositava dia
sim dia não. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Recuou em pensamentos e, na verdade,
não se lembrava de se ter cruzado com a mesma pessoa duas vezes seguidas. Saía
cedo e regressava tarde, com pressa e embrenhado em pensamentos que o alheavam
da realidade que habitava a Rua S. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">A Rua S era apenas a sua casa, o
lugar onde se recolhia, abrigado do mundo. Era o lugar de onde tinham fugido
todos os pássaros. Era o mundo fora do mundo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Consciente, agora, da sua solidão, o
homem da Rua S resolveu sair do bairro, de novo habitado pelo imenso chilrear
de pássaros, com vista a cruzar-se com alguém; um olhar furtivo, a cadência de passos
na calçada, um aceno de quem cede passagem, um qualquer movimento humano
bastar-lhe-ia para saciar esse vazio social. Social. Por mais “gostos” e “corações”,
comentários e elogios, lamentações e queixumes, impressões e opiniões trocadas
e lançadas à mercê de quem queira esbracejar nas redes sociais, nada colmatava
a suprema necessidade do contacto humano. Naquele momento bastava-lhe o afago
de um olhar que se desvia pelo medo do contágio. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Vagueou pelas ruas sinuosas da parte
antiga da cidade, transpôs as fronteiras que delimitam os bairros históricos, e
ninguém que se avistasse ao longe, as janelas mudas, portas inertes. Uma
existência exangue. Julgou, então, encontrar-se numa cidade completamente devoluta
e sentiu-se escorregar para o abismo do medo, ao qual se propôs resistir. O
homem da Rua S começou a cantar e a reverberação da sua voz na alvenaria das
casas respondeu-lhe em coro. Essa sinfonia, que incluía o chilreio das aves no
recolher crepuscular, assemelhava-se a um requiem que o mortificava. Mas não se
coibiu de levar a cabo este hino até esbarrar com o seu reflexo numa montra que
se debruçou diante dele. Neste sobressalto, alguém lhe acenava do interior
difuso da loja, cujos vidros não eram limpos há algum tempo. Aproximou-se,
tentando alcançar aquele espectro que, como ele, ainda respirava. Avistou ao
fundo um vulto que lhe indicava a porta de entrada a que se acedia pela rua
perpendicular àquela onde se encontrava. Deu a volta, agitado. Estava ali um
homem. Estava ali alguém! Ao fim de um dia em que errou pela cidade deserta,
encontrou vida humana que lhe acenasse. Entrou na loja de um passarinheiro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">No exíguo espaço de vinte metros
quadrados, encontravam-se centenas de aves aprisionadas. Algumas, de maiores
dimensões, agrilhoadas, perscrutavam-no. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Eram bairros e bairros habitados por pássaros
tão diversos nas formas e nas cores e tão iguais na sua sujeição. O homem da
Rua S estendeu o olhar, percorrendo uma a uma as casas gradeadas que forravam
as paredes da loja, sobrepostas do chão até ao tecto. Um trinar enérgico
perfurou o silêncio que até então se impunha, sombrio. Por que cantará? –
pensou o homem da Rua S.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Os pássaros que isolamos numa gaiola
cantam mais. É o que dizem os passarinheiros. Mas ninguém falou. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Avançou até ao fundo da sala,
observando cada uma das mais diversas aves, que sobre ele inclinavam o olhar, curvando
a cabeça. Passou alguns minutos neste enlevo. Tantos seres com asas, com vida,
aprisionados em caixas dispostas em camadas, sem se verem, sem voarem, sem
terra nem céu. E ainda cantam? Tão diversos, aqueles pássaros teriam vindo dos
mais variados lugares do mundo, de florestas densas e imperscrutáveis, de
planícies vastas, de altivas montanhas, e aqui reduzidas à negritude de um
rés-do-chão húmido de um bairro da cidade. Pobres aves! – cogitava o homem da
Rua S. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">As suas deambulações mentais foram
interrompidas pelo grito rouco de um papagaio cinzento que roía a pele áspera
da pata enquanto o fitava insistentemente. Este som estrídulo despertou-o para
o desaparecimento do homem que ele vira através da montra da loja e que lhe
acenara para que entrasse. Movimentou-se rapidamente pela sala sem o encontrar.
Abriu a única porta que existia no interior da loja, que dava acesso à casa de
banho, onde lhe pareceu ver alguns sacos, umas gaiolas vazias e dois panos espessos
pendurados junto do lavatório. Como a luz era escassa, perguntou: «Está aí
alguém?». A sua voz surpreendeu-o como se fosse exterior a ele próprio.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Assustou-se com esse som produzido pela
pergunta que acabara de formular e que parecia ter-lhe sido dirigido. Lembrou-se
que talvez esta impressão proviesse de não falar há muito tempo. Há quase um
mês fechado entre quatro paredes, isolado, duas ou três conversas telefónicas no
início do isolamento a respeito do <i style="mso-bidi-font-style: normal;">lay-off</i>
a que recorrera a empresa onde trabalhava. Não falava há quase um mês… era
verdade, ou mais. Ciente desta estranha constatação, resolveu retomar a
pergunta que deixara suspensa: «Está aí alguém?», e reforçou, sentindo-se
acompanhado pelo som da sua voz que continuava a parecer-lhe vinda de outro
corpo: «Quem está aí?». O papagaio, apesar de agrilhoado, debruçou-se no
pequeno poleiro onde lhe era possível movimentar-se e replicou: «És tu.». Por
instantes, o homem da Rua S pensou que seria o passarinheiro, mas não foi mais
do que uma fracção de segundo que lhe revelou a proveniência daquela voz rouca
e estridente. Era o pássaro cinzento que lhe respondia. Fechou a porta onde não
havia mais que quietude e contornou de novo o conjunto de gaiolas empilhadas no
centro da sala formando um bloco de apartamentos até ao tecto da sala. Percorreu-a
pelos quatro cantos. Convenceu-se de que estava sozinho. Onde estaria o homem
que lhe havia acenado para o exterior? Repetiu o pensamento em voz alta, mais
para exercitar a voz há tanto tempo inerte do que esperançoso de obter
resposta: «Onde estará o homem que me acenou pelo vidro?». Mais uma vez o som
estrídulo respondeu: «És tu.». E repetiu: «És tu!».<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Sou eu, pensou o homem da Rua S.
Talvez seja. Não há aqui mais ninguém. Talvez tenha sido o meu reflexo no vidro
o homem que vi. Talvez cioso por encontrar alguém me tenha iludido. Algum
movimento de uma árvore que se tenha transfigurado num aceno, num convite.
Talvez seja convidado de mim mesmo no reduto da solidão. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">A noite desabara e o homem da Rua S
estava exausto de tanto vaguear. Nem sabia ao certo em que ponto dos arrabaldes
da cidade se encontrava. A caminhada solitária, a Rua S solitária, os seus
intentos malogrados; apenas uma miragem de passarinheiro. Ficava ali.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Estendeu-se sobre os panos que
avistara na casa de banho. As gaiolas iluminadas pela luz da rua, os pássaros de
cabeça recolhida sob uma das asas. Ele com a cabeça sobre um dos braços. Todos
encarcerados, inexistentes, viventes, porém. Adormeceu.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">Raquel Alves Coelho<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 150%;">24 de Abril de 2020<o:p></o:p></span></div>
<br />Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-17545185595002338482018-11-04T21:23:00.000+00:002018-11-04T21:42:54.547+00:00<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Não, meu amor, não procuro qualquer sentido nestas palavras.
Gosto de ti como uma cãibra e não posso tropeçar na candura do tempo. Há
um entendimento nervoso entre mim e a rua cheia de precipícios. Esta vertigem é
inabalável e os meus membros transpõem o musgo dos muros antes que as palavras
ecoem no vale. Debruço-me e estendo o caminho para o meu grito passar como um eco que abandonei. Se os passos tropeçam, existe o mar num mergulho agasalhado. Depois do pranto, o vento penteia-me os cabelos. Não,
meu amor, é o alvor das geadas que forma sulcos na rocha dos meus dias. Desfaço-me
como uma caixa de cartão na chuva. Se o sangue parar, teremos a eternidade para
desenhar o escárnio do entendimento. Há um riso de amoras amargas e o vento
deixou de cantar. Escuto. Parece que o silêncio se entalou na porta. Sinto o
teu sangue pisado nas olheiras. Intermináveis noites de insónia. Há música por
trás das portas cerradas. Há música a latejar na pulsação dos minutos. Se a lua
se extinguir, como poderás cair sem que te veja? Não, meu amor, este tempo
cheira a torneiras de cobre oxidadas. Se eu te disser muito baixinho que a mesa
se ergue calada a colher vinho vertido com uma cãibra na perna?<o:p></o:p></span></div>
<br />Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-54231846536726473662018-03-22T12:23:00.002+00:002018-03-22T12:23:51.248+00:00PASSOS LÍQUIDOS<div class="MsoNormal">
O teu silêncio</div>
<div class="MsoNormal">
Esse leito de brasas onde arquejas</div>
<div class="MsoNormal">
Na solidão</div>
<div class="MsoNormal">
O vulto com que te ausentas</div>
<div class="MsoNormal">
Em passos líquidos</div>
<div class="MsoNormal">
Escorre pelos muros </div>
<div class="MsoNormal">
De musgo o orvalho da manhã</div>
<div class="MsoNormal">
O caminho é cerrado</div>
<div class="MsoNormal">
Até ti</div>
<div class="MsoNormal">
De floresta e bruma</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Fragmentada</div>
<div class="MsoNormal">
A noite ecoa</div>
<div class="MsoNormal">
No silêncio do teu</div>
<div class="MsoNormal">
Clamar</div>
<div class="MsoNormal">
O gesto transparente</div>
<div class="MsoNormal">
Da aurora </div>
<div class="MsoNormal">
Acena</div>
<div class="MsoNormal">
Um adeus caído entre gotas</div>
<div class="MsoNormal">
Mornas</div>
<div class="MsoNormal">
Da chuva replica</div>
<div class="MsoNormal">
O odor esmaecido</div>
<div class="MsoNormal">
Onde te lembro</div>
<div class="MsoNormal">
E a Primavera em chama</div>
<div class="MsoNormal">
Como se um adeus</div>
<div class="MsoNormal">
Fosse </div>
<div class="MsoNormal">
Somente despedida.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Raquel Coelho</div>
<br />
<div class="MsoNormal">
21/03/2018</div>
Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-79855914993936549272018-03-22T12:03:00.000+00:002018-03-22T12:03:09.933+00:00A ESQUINA<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Encontrei-me contigo numa esquina</div>
<div class="MsoNormal">
Não foi bem um encontro</div>
<div class="MsoNormal">
Foi um encontrão</div>
<div class="MsoNormal">
Vínhamos distraídos</div>
<div class="MsoNormal">
Íamos distraídos porque </div>
<div class="MsoNormal">
o amor </div>
<div class="MsoNormal">
na agitação da cidade</div>
<div class="MsoNormal">
os prédios a tombar de gente</div>
<div class="MsoNormal">
os autocarros a cuspirem horas</div>
<div class="MsoNormal">
(de atraso)</div>
<div class="MsoNormal">
De quê?</div>
<div class="MsoNormal">
os passos tropeçados nos escarros dos passeios</div>
<div class="MsoNormal">
Enfim, no meio da pressa</div>
<div class="MsoNormal">
Esquecemo-nos da vida</div>
<div class="MsoNormal">
Dizia eu que</div>
<div class="MsoNormal">
O amor</div>
<div class="MsoNormal">
Tinha ficado esquecido talvez</div>
<div class="MsoNormal">
No assento sujo</div>
<div class="MsoNormal">
Do táxi naquela manhã</div>
<div class="MsoNormal">
Em que</div>
<div class="MsoNormal">
O despertador não</div>
<div class="MsoNormal">
Soou.</div>
<div class="MsoNormal">
Que manhã!...</div>
<div class="MsoNormal">
Com a pressa porque o despertador não tocou</div>
<div class="MsoNormal">
O telefone caído no </div>
<div class="MsoNormal">
Duche o autocarro</div>
<div class="MsoNormal">
A deixar a paragem</div>
<div class="MsoNormal">
Corri…</div>
<div class="MsoNormal">
Mas caiu-me do bolso</div>
<div class="MsoNormal">
Gritei</div>
<div class="MsoNormal">
Gritei pelo táxi e por tudo o que perdi</div>
<div class="MsoNormal">
POR TUDO O QUE PERDI</div>
<div class="MsoNormal">
Gritei pelo táxi </div>
<div class="MsoNormal">
Que vinha a passar mal</div>
<div class="MsoNormal">
O autocarro largou da paragem</div>
<div class="MsoNormal">
Parecia de propósito</div>
<div class="MsoNormal">
Logo naquela manhã em que iria encontrar a esquina onde me
cruzaria contigo e…</div>
<div class="MsoNormal">
TAXI! TAXI!</div>
<div class="MsoNormal">
Gritei</div>
<div class="MsoNormal">
Ofegante entrei disse o nome</div>
<div class="MsoNormal">
Da rua o trajecto mais curto</div>
<div class="MsoNormal">
Tinha muita pressa nunca me tinha atrasado</div>
<div class="MsoNormal">
O despertador </div>
<div class="MsoNormal">
Falhou só daquela vez</div>
<div class="MsoNormal">
Disse o trajecto mais curto passou</div>
<div class="MsoNormal">
Alguns vermelhos e cheguei</div>
<div class="MsoNormal">
Pouco antes de ser despedido</div>
<div class="MsoNormal">
Julgo eu… Talvez</div>
<div class="MsoNormal">
Tenha sido despedido antes de chegar</div>
<div class="MsoNormal">
Mas não o pude saber</div>
<div class="MsoNormal">
(Não pude saber o que aconteceu antes de eu ter chegado)</div>
<div class="MsoNormal">
Foi nessa manhã</div>
<div class="MsoNormal">
Perdi tudo mas tive a sorte</div>
<div class="MsoNormal">
De encontrar o meu nome entornado</div>
<div class="MsoNormal">
Na berma da estrada era ele</div>
<div class="MsoNormal">
Era ele sem mim</div>
<div class="MsoNormal">
Mas de que me serviria um nome sem gente lá dentro?</div>
<div class="MsoNormal">
Quando curvei a esquina tu</div>
<div class="MsoNormal">
Já tinhas partido</div>
<div class="MsoNormal">
Curvei e recurvei a esquina para </div>
<div class="MsoNormal">
Te encontrar</div>
<div class="MsoNormal">
Tinha a certeza que naquela manhã</div>
<div class="MsoNormal">
Me iria encontrar contigo</div>
<div class="MsoNormal">
Nessa esquina</div>
<div class="MsoNormal">
Era a esquina onde te pediria que me desculpasses</div>
<div class="MsoNormal">
O encontrão</div>
<div class="MsoNormal">
(um acaso)</div>
<div class="MsoNormal">
Onde saberias que iria distraído</div>
<div class="MsoNormal">
Era esse o momento de te sorrir</div>
<div class="MsoNormal">
Quando te pedisse desculpa</div>
<div class="MsoNormal">
Ficarias a olhar-me </div>
<div class="MsoNormal">
surpreendida </div>
<div class="MsoNormal">
e talvez me respondesses qualquer coisa </div>
<div class="MsoNormal">
Convidar-te-ia para um café dir-te-ia</div>
<div class="MsoNormal">
O meu nome</div>
<div class="MsoNormal">
(sem ninguém lá dentro, sim, mas </div>
<div class="MsoNormal">
era o que tinha para te oferecer)</div>
<div class="MsoNormal">
Dar-te ia o número do meu telefone </div>
<div class="MsoNormal">
caído no duche perderia o autocarro e talvez</div>
<div class="MsoNormal">
surgisse o táxi onde</div>
<div class="MsoNormal">
naquela manhã deixei</div>
<div class="MsoNormal">
o amor</div>
<div class="MsoNormal">
Convidar-te-ia para um café fora </div>
<div class="MsoNormal">
Da cidade junto ao mar</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas o mar ondeia sempre </div>
<div class="MsoNormal">
Em movimentos </div>
<div class="MsoNormal">
Circulares</div>
<div class="MsoNormal">
Cir-cu-lares…</div>
<div class="MsoNormal">
Como poderia </div>
<div class="MsoNormal">
Ali</div>
<div class="MsoNormal">
Descobrir a esquina parada onde</div>
<div class="MsoNormal">
Sei que te encontraria? </div>
<div class="MsoNormal">
Como poderia </div>
<div class="MsoNormal">
fora da cidade das janelas cegas</div>
<div class="MsoNormal">
Dos autocarros perdidos dos despertadores</div>
<div class="MsoNormal">
Caídos na berma da estrada…</div>
<div class="MsoNormal">
Como poderia encontrar-te num mar </div>
<div class="MsoNormal">
Sem esquinas?</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Raquel Coelho</div>
<div class="MsoNormal">
21 de Março de 2018</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-82451897325680092982016-12-23T19:42:00.000+00:002016-12-23T20:18:01.698+00:00<div class="MsoNormal">
Carta de Natal<br />
<br />
Caro amigo,</div>
<div class="MsoNormal">
A rua desce sombria</div>
<div class="MsoNormal">
E rápida, mas a subida dura</div>
<div class="MsoNormal">
É soalheira.</div>
<div class="MsoNormal">
O franco azul </div>
<div class="MsoNormal">
Do céu cheira a orvalho e maresia</div>
<div class="MsoNormal">
(mesmo rasgado pelo avião a jacto)</div>
<div class="MsoNormal">
Nele não se desenham</div>
<div class="MsoNormal">
Nem estrelas nem o luar</div>
<div class="MsoNormal">
Mas na colina a erva</div>
<div class="MsoNormal">
Cintila.</div>
<div class="MsoNormal">
Já amanheceu há muito. O ruído</div>
<div class="MsoNormal">
Rompeu a aurora rotineira</div>
<div class="MsoNormal">
Desta sexta-feira (vésperas</div>
<div class="MsoNormal">
De Natal</div>
<div class="MsoNormal">
De 2016). Estamos em 2016,</div>
<div class="MsoNormal">
Caro amigo, e as pessoas por aqui ainda</div>
<div class="MsoNormal">
Festejam.</div>
<div class="MsoNormal">
Passou </div>
<div class="MsoNormal">
Tanto tempo</div>
<div class="MsoNormal">
Há, como sempre, rostos</div>
<div class="MsoNormal">
Alegres e tristes</div>
<div class="MsoNormal">
Pensativos e ausentes</div>
<div class="MsoNormal">
Atentos, dispersos</div>
<div class="MsoNormal">
Vazios desrostos</div>
<div class="MsoNormal">
Desgostos </div>
<div class="MsoNormal">
Que descem a rua sombria ou sobem</div>
<div class="MsoNormal">
Num esforço de sol quente.</div>
<div class="MsoNormal">
É assim </div>
<div class="MsoNormal">
Há muito tempo, caro amigo,</div>
<div class="MsoNormal">
Os anos passaram e nada mudou.</div>
<div class="MsoNormal">
Os pássaros chilreiam enquanto estrondeia</div>
<div class="MsoNormal">
A guerra</div>
<div class="MsoNormal">
Do outro lado do mundo.</div>
<div class="MsoNormal">
O lado distante que não vemos.</div>
<div class="MsoNormal">
No mundo há sempre dois lados, caro amigo.</div>
<div class="MsoNormal">
O tempo passa e </div>
<div class="MsoNormal">
Há sempre o outro lado do mundo. Aqui</div>
<div class="MsoNormal">
Festeja-se o Natal porque</div>
<div class="MsoNormal">
Está na ordem da vida festejar.</div>
<div class="MsoNormal">
Também os gatos</div>
<div class="MsoNormal">
Lá fora</div>
<div class="MsoNormal">
Festejam o sol de corpo</div>
<div class="MsoNormal">
Estendido como tapetes</div>
<div class="MsoNormal">
Festejam a morte</div>
<div class="MsoNormal">
Das lagartixas e dos ratos. Há sempre </div>
<div class="MsoNormal">
O outro lado da vida, caro amigo.</div>
<div class="MsoNormal">
Até os gatos sabem disso</div>
<div class="MsoNormal">
Quando ronronam.</div>
<div class="MsoNormal">
Há muito tempo que assim acontece. Os homens festejam</div>
<div class="MsoNormal">
A guerra com tiros de fogo e aguardente velha.</div>
<div class="MsoNormal">
(Os que estavam mais perto da morte e sobraram</div>
<div class="MsoNormal">
Bebem bagaço). Passam os séculos </div>
<div class="MsoNormal">
Com o mesmo cheiro a enxofre e aguardente. Sempre</div>
<div class="MsoNormal">
Foi assim, caro amigo. Aqui é Natal e os homens</div>
<div class="MsoNormal">
Festejam. O ocaso </div>
<div class="MsoNormal">
Eclodiu em tonalidades lentas: azuis,</div>
<div class="MsoNormal">
Vermelhos, roxos, laranja, verdes, rosa</div>
<div class="MsoNormal">
Até ao mais profundo</div>
<div class="MsoNormal">
Azul da noite estrelada. Agora as sombras</div>
<div class="MsoNormal">
Desafiam os cães</div>
<div class="MsoNormal">
(como sempre aconteceu). </div>
<div class="MsoNormal">
O chilreio ensurdeceu nas copas das árvores. Ao longe</div>
<div class="MsoNormal">
Do outro lado a guerra pranteia.</div>
<div class="MsoNormal">
A rua desce e sobe</div>
<div class="MsoNormal">
Nocturna e fria. De que nos servem no Inverno</div>
<div class="MsoNormal">
As copas das árvores sombrias? </div>
<div class="MsoNormal">
O pinheiro, por exemplo, torna a noite de Inverno </div>
<div class="MsoNormal">
Mais escura</div>
<div class="MsoNormal">
Como a morte. </div>
<div class="MsoNormal">
Mas o seu perfume permanece aqui em noites mornas</div>
<div class="MsoNormal">
De Verão. (Há sempre o outro lado, amigo)</div>
<div class="MsoNormal">
Outras de folha caduca</div>
<div class="MsoNormal">
Gritam viuvez</div>
<div class="MsoNormal">
De braços agudos pela lua adentro</div>
<div class="MsoNormal">
Feiticeiras mortas famintas</div>
<div class="MsoNormal">
E não é ódio, caro
amigo, é medo</div>
<div class="MsoNormal">
Medo do vento e da geada</div>
<div class="MsoNormal">
Medo da guerra, do abandono </div>
<div class="MsoNormal">
Do sangue esquecido que corre pela estada. As folhas partem</div>
<div class="MsoNormal">
Errantes sem rumo sem cor</div>
<div class="MsoNormal">
O perfume verde do pinheiro</div>
<div class="MsoNormal">
Ilumina-se</div>
<div class="MsoNormal">
É Natal.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Raquel Coelho</div>
<div class="MsoNormal">
23/12/16</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-91009033852406962332016-05-06T12:01:00.002+01:002016-05-06T12:02:17.143+01:00 O meu texto para a exposição da Sara Franco e do João Fonte Santa<span style="background-color: white; color: #4e5665; font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif; line-height: 18.76px;"><span style="font-size: large;">na sombra do caos derr-ama a memória. armas de aço. armas a morte. ar, mas sufocar. arte. tu ar. toada. és tu. lindo o cartaz. estrelas ca-dentes d'enfeitar.d'enganar. de-rra-me no teu ventre sen-su-alizado suado nesta que-da sem fim. p'ra mim. derrama-me. ama-me assim. explo-de de explosão. com-some-te. some-te. fome.</span></span><br />
<span style="color: #4e5665; font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: large;"><span style="line-height: 18.76px;"><br /></span></span>
<span style="color: #4e5665; font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: large;"><span style="line-height: 18.76px;"><br /></span></span><span style="background-color: white; color: #4e5665; font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif; line-height: 18.76px;"></span>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; font-size: 14px; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-735d9C2861o/Vyx5XIerQ3I/AAAAAAAAAxc/jqf5qZZbXHQPlyYD4gmbNxl_qwgP6eIAwCLcB/s1600/Blitzkrieg.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://2.bp.blogspot.com/-735d9C2861o/Vyx5XIerQ3I/AAAAAAAAAxc/jqf5qZZbXHQPlyYD4gmbNxl_qwgP6eIAwCLcB/s320/Blitzkrieg.jpg" width="226" /></a></div>
Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-14992766764140575302016-05-04T10:15:00.002+01:002016-05-04T10:18:50.201+01:00<div class="" data-block="true" data-editor="1dvrn" data-offset-key="d8dqh-0-0" style="font-family: helvetica, arial, sans-serif; line-height: 18px; white-space: pre-wrap;">
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="d8dqh-0-0" style="direction: ltr; position: relative;">
<span data-offset-key="d8dqh-0-0" style="background-color: #666666;">Nós, portugueses,</span></div>
</div>
<div class="" data-block="true" data-editor="1dvrn" data-offset-key="94sn6-0-0" style="font-family: helvetica, arial, sans-serif; line-height: 18px; white-space: pre-wrap;">
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="94sn6-0-0" style="direction: ltr; position: relative;">
<span data-offset-key="94sn6-0-0" style="background-color: #666666;">herdeiros de barcos naufragados</span></div>
</div>
<div class="" data-block="true" data-editor="1dvrn" data-offset-key="3fc6-0-0" style="font-family: helvetica, arial, sans-serif; line-height: 18px; white-space: pre-wrap;">
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="3fc6-0-0" style="direction: ltr; position: relative;">
<span data-offset-key="3fc6-0-0" style="background-color: #666666;">colhemos do mar a morte, a vida e os poetas</span></div>
</div>
<div class="" data-block="true" data-editor="1dvrn" data-offset-key="8aljq-0-0" style="font-family: helvetica, arial, sans-serif; line-height: 18px; white-space: pre-wrap;">
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="8aljq-0-0" style="direction: ltr; position: relative;">
<span data-offset-key="8aljq-0-0" style="background-color: #666666;">o medo que nos tolhe</span></div>
</div>
<div class="" data-block="true" data-editor="1dvrn" data-offset-key="457f2-0-0" style="font-family: helvetica, arial, sans-serif; line-height: 18px; white-space: pre-wrap;">
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="457f2-0-0" style="direction: ltr; position: relative;">
<span data-offset-key="457f2-0-0" style="background-color: #666666;">e a luz que nos liberta.</span></div>
</div>
Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-29338313047068764732016-05-02T22:50:00.001+01:002016-05-02T22:53:52.313+01:00Fénix<span style="background-color: #666666; font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.32px;">É assim que nós, de cada vez que morre alguém que nos é querido, vamos perecendo aos poucos. Atónitos, ainda, diante da foice implacável...</span><br />
<span style="background-color: #666666; font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.32px;">Chegados ao estado das folhas do fim do Outono, um frágil rendilhado de nervuras, quase húmus, ali ficamos, indeléveis, no silêncio dos tempos.</span>Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-62914307487403583172016-04-14T13:18:00.001+01:002016-05-02T22:51:59.071+01:00<span style="background-color: #666666; font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.32px;">Há pessoas que vivem como larvas, de carácter tão rasteiro, que nem para um voo de varejeira conseguem ter asas.</span>Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-51323945193089104632015-08-15T22:43:00.001+01:002015-08-15T22:50:40.439+01:00<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No quarto dos meus avós maternos, com quem passei férias desde a minha
mais remota existência. Fui feita aqui, nesta casa, e baptizada no castelo de Sesimbra.
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esta casa, pequenos objectos imutáveis, as ruas, vestígios dos campos de
outrora onde ainda não edificaram casas, a paisagem a serra e o mar. Tudo isto
sedimenta anos de recordações. As memórias, tantas, explorações infindáveis de episódios
que se sucedem, engrenagens incessantes de ideias, sensações tão distantes. Com
cerca de três anos saltei a janela da sala para ir brincar com a menina da casa
em frente. Lembro-me da ansiedade de fazer tudo com rapidez, para que se
concretizasse. Uma sensação, apenas. O resto, contaram-me. Que usei um banco
alto, que levei a boneca, que atravessei a estrada, como isso perturbou o quotidiano
ordenado da minha avó que comigo nunca se zangava. Os piqueniques no pomar das
macieiras. Maçãs riscadas e ácidas que ainda agora saboreio. O lilás do
granzoal. Os caracóis sabiamente recolhidos nos cardos. As corridas de bicicleta
e saltos na rampa de terra. O meu amigo que caiu no rio seco repleto de silvas.
Ter de ir chamar os pais e desvelar que íamos pelos caminhos proibidos. A senhora
que contava das almas penadas que habitavam o castelo. Todas belas mulheres
vestidas de branco. O regresso a casa a pedalar em alta velocidade, sob o medo
da noite e das mulheres de branco vindas do castelo. Os longos passeios às
casas velhas, antigos solares, onde os fantasmas saiam pelas janelas sem
vidros. O loureiro na curva sombria. Os dias de praia, de anémonas, estrelas e
ouriços marinhos, caranguejos apressados. E os polvos a espreitarem nas rochas
em manhãs de maré baixa. Fauna há muito desaparecida. As horas intermináveis de
tapetes de conchas na areia, como os embrechados dos monges (sabíamos lá o que
isso era). Tempo de culto. Os azuis e os verdes volúveis da baía abraçada pelas
rochas contemplativas da serra. Memórias que vão e vêm como as ondas suaves que
na praia se desmancham.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por fim, os passeios lentos com o avô nos seus últimos passos, como quem
não quer alcançar a hora derradeira. E não queríamos. No quarto da avó em
conversas de fim de tarde. O último telefonema a uma prima a estenderem-se por
tempos antigos, de uma Lisboa que só conheço dos livros e destas frases cristalizadas.
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A sala silenciosa no burburinho de antigos rituais que deslizam no
cheiro a cera e a cânfora. O armário do quarto atento e severo na sua
verticalidade austera. Os bordados dos ócios extintos namorados por traças
douradas de pó. O chapéu de palha há muito esquecido no gancho da porta, sem
passeios de fim de tarde. A araucária de braços estendidos em gesto de
catedral, onde o culto se consagra.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sesimbra, 15 de agosto de 2015</div>
Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-7950757429583464382015-04-15T22:10:00.000+01:002015-04-15T22:10:20.066+01:00No tempo de um café<div class="MsoNormal">
No tempo de um café,</div>
<div class="MsoNormal">
a tempestade.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A cor desta cidade</div>
<div class="MsoNormal">
quando chove</div>
<div class="MsoNormal">
não é a do brilho da chuva</div>
<div class="MsoNormal">
mas do tempo</div>
<div class="MsoNormal">
que tolhe.</div>
<div class="MsoNormal">
Pranto, ódio, irritação</div>
<div class="MsoNormal">
Trrrrransito…</div>
<div class="MsoNormal">
Berra a escuridão</div>
<div class="MsoNormal">
E o brilho da chuva</div>
<div class="MsoNormal">
derramada</div>
<div class="MsoNormal">
Cidade mortificada</div>
<div class="MsoNormal">
turva</div>
<div class="MsoNormal">
Em lama pelo chão.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O instante abreviado de um café… </div>
<div class="MsoNormal">
morno.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Lisboa, 15 de Abril de 2015</div>
Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-48818163901702608052015-03-23T22:22:00.001+00:002015-03-23T22:22:50.166+00:00<div class="MsoNormal">
É no amor que nascem as palavras</div>
<div class="MsoNormal">
É por amor que rompes o silêncio</div>
<div class="MsoNormal">
É no amor que escreves o que rasgas</div>
<div class="MsoNormal">
É por amor que gritas e te esmagas</div>
<div class="MsoNormal">
É no amor que o sonho te supera</div>
<div class="MsoNormal">
É o amor a tua longa espera</div>
<div class="MsoNormal">
É o amor os dias solitários</div>
<div class="MsoNormal">
Pelo silêncio dissipas as palavras</div>
<div class="MsoNormal">
É por amor que gritas os teus sonhos</div>
<div class="MsoNormal">
É nos teus sonhos que soltas os poemas</div>
<div class="MsoNormal">
É nos poemas que esbanjas os sentidos</div>
<div class="MsoNormal">
É sem sentido que amas as palavras</div>
<div class="MsoNormal">
É o amor que sonhas e te esmaga</div>
<div class="MsoNormal">
É com palavras que dizes o silêncio</div>
<div class="MsoNormal">
É o silêncio que encobre o que te amarga</div>
<div class="MsoNormal">
É o que gritas que amarga e te supera</div>
<div class="MsoNormal">
É no amor que o sonho desespera</div>
<div class="MsoNormal">
É no silêncio na ânsia e na fome</div>
<div class="MsoNormal">
Onde o amor definha e se consome.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Raquel, 23/03/2015</div>
Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-34878424011302016602015-03-16T21:26:00.000+00:002015-03-16T21:26:25.048+00:00A noite é uma estátua de pedra<br />
silenciosa<br />
desvela o mistério das horas<br />
16/03/15<br />
<br />Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-34442175357903495702015-01-18T14:18:00.000+00:002015-01-18T14:18:19.954+00:00<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
A flor sagrada é uma
campainha que toca em silêncio</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando eu era criança, Massamá era um Lugar composto por um conjunto de
pequenas habitações de construção chã, em volta do qual se estendiam casais e
quintas com terrenos a perder de vista até Tercena, Cacém ou Queluz.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Havia algumas crianças com as quais brincava, mas a maior parte do meu
tempo era passado na companhia dos cães – a Violeta, uma perdigueira
extremamente meiga, e o King, um pastor alemão que me transportava no seu lombo.
Com eles explorava estes campos que, na Primavera, se cobriam de flores
silvestres tingindo a paisagem de roxo, amarelo e vermelho. Talvez seja por
isso que estas se mantiveram as minhas cores preferidas até hoje. Havia dezenas
de espécies de pássaros, insectos, coelhos, algumas cobras e ouriços caixeiros,
e toda esta fauna autóctone habitava o meu quotidiano de passeios intermináveis
pelos campos - hoje ruas de alcatrão que formam uma teia entre os prédios e
algumas construções antigas que perduraram e que é preciso descobrir.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nos meus passeios primaveris, entretinha-me
a descobrir flores secretas, que eram aquelas que existiam em menos quantidade.
Eram pequenas e muito belas, talvez por serem raras. Entre elas contavam-se as campainhas,
com a forma de uma campânula de molde oblongo, que escondia um “pêndulo”
amarelo. Eram carnudas, castanhas, quase roxas (ou cor de beringela), e
formavam umas pequenas riscas no topo que se tornavam definidas junto ao caule,
se as observávamos com atenção. Estas eram as minhas eleitas, e nunca as colhia
por serem, para mim, sagradas; tão diferentes de qualquer outra flor, não possuíam
folhas nem pétalas, nem se prestavam a serem colocadas numa jarra. Brotavam
discretas e escondidas no meio de ervas e outras plantas que floriam.
Descobri-las exigia persistência e dedicação à tarefa de conviver com os
segredos da natureza. Descobri-las era a resposta dos deuses à minha curiosidade
pelo mundo.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Há dias, no meu percurso pelo jardim, encontrei uma dessas campainhas, esgueirada
para a beira do caminho, como quem grita: “Estou aqui! Lembras-te?”. E fiquei a
pensar de que quereriam os deuses que me recordasse nestes dias frios e sem luz.
De alguma dessas coisas maiores que fazem parte da eternidade, com que
convivemos nos dias da infância. De alguma Primavera, dessas que acenam em dias
agrestes de Inverno.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Hoje resolvi ir colhê-la com uma foto, mas já só me foi concedida metade
da flor, já quebrada. Deitada no húmus.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Massamá, 18 de Janeiro de 2015</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-sTZ-SnOyJSY/VLu_3JP4aVI/AAAAAAAAAgQ/FHtD0lEV7vQ/s1600/CIMG8663.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://1.bp.blogspot.com/-sTZ-SnOyJSY/VLu_3JP4aVI/AAAAAAAAAgQ/FHtD0lEV7vQ/s1600/CIMG8663.JPG" height="240" width="320" /></a></div>
Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-88945080751613865452014-03-29T19:11:00.002+00:002014-03-29T19:11:55.549+00:00<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: PT;">Eugénia<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: PT;">Em cada ano gritam as orquídeas<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: PT;">Quando tu à terra devolvida<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: PT;">Num sorriso perene<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: PT;">Nos deixaste.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: PT;">Em cada ano floresces no jardim<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: PT;">Nas derradeiras flores que te colhi.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: PT;">Raquel</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: PT;">29 de Março de 2014<o:p></o:p></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-jaGaPeSL6G4/UzcajoPzPyI/AAAAAAAAAbk/gxSVIHNnZwc/s1600/CIMG7454.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/-jaGaPeSL6G4/UzcajoPzPyI/AAAAAAAAAbk/gxSVIHNnZwc/s1600/CIMG7454.JPG" height="240" width="320" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-Rb70NIVId4I/UzcajlfE8uI/AAAAAAAAAbc/1Jh_7UH4VpU/s1600/CIMG7455.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/-Rb70NIVId4I/UzcajlfE8uI/AAAAAAAAAbc/1Jh_7UH4VpU/s1600/CIMG7455.JPG" height="320" width="240" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://4.bp.blogspot.com/-boM41XceDUo/UzcajrERg-I/AAAAAAAAAbg/PXpR9fFhvAg/s1600/CIMG7456.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-boM41XceDUo/UzcajrERg-I/AAAAAAAAAbg/PXpR9fFhvAg/s1600/CIMG7456.JPG" height="240" width="320" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://4.bp.blogspot.com/-9ss2u9GEa8c/Uzcamd39_BI/AAAAAAAAAb0/TqUMdI-R6cg/s1600/CIMG7457.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-9ss2u9GEa8c/Uzcamd39_BI/AAAAAAAAAb0/TqUMdI-R6cg/s1600/CIMG7457.JPG" height="240" width="320" /></a></div>
<br />Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-41190135036798816252013-10-25T23:39:00.000+01:002013-10-25T23:39:11.838+01:00<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: PT;">O PODER<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: PT;"> Por
vezes recordo um episódio que se passou comigo há uns anos atrás, quando os
meus filhos estudavam num colégio, onde estudavam filhos de pessoas comuns, mas
também os de pessoas com Poder – políticos e outros traficantes da miséria
humana que pude observar no seu inchaço infeccioso, germens de nação doente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: PT;"> Esse colégio
está situado numa quinta de Chelas, estrangulado por quilómetros de bairros de infortúnio
e delinquência que vacilava em redor dos muros da antiga quinta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: PT;"> Numa
manhã comum, em que fui deixar os meus filhos, conduzia pela avenida que desce uma
das encostas da colina, quando um desses carros do Podeerrrrr me ultrapassou
combativo – a deixar ressaltar a soberba que, de dentro, emanava.
Ultrapassou-me a mim e ao carro “<i>tuning</i>”
que seguia diante do meu.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: PT;"> O
semáforo luziu vermelho e estancou a fúria do “ultrapassante” por imposição da
circulação perpendicular da outra via. Do carro da frente saltaram quatro
desses filhos de Chelas, da miséria, da incúria humana... E aquele diamante da
rodovia foi coberto de escarros, de pontapés, de murros, de injúrias, e o resto
não vi porque o semáforo iluminou-se de verde e contornei aquela luta de
poderes. De quem é o Poder?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: PT;">Raquel<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: PT;">25/10/2013<o:p></o:p></span></div>
Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-34971026652523823152013-10-25T23:37:00.001+01:002013-10-25T23:37:34.965+01:00<div class="MsoNormal">
<span lang="FR" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: FR;">L’ÉTANG<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="FR" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: FR;">J’aurais envie de replonger dans cette branche de mer perdue<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="FR" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: FR;">Mais tous mes songes furent suspendus<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="FR" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: FR;">Dans un instant si pénible<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="FR" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: FR;">Que je défile, invisible <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="FR" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: FR;">Entre la mémoire et l’inconnu<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="FR" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: FR;">Ce long couloir d’alabastre <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="FR" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: FR;">D’une montagne éventrée <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="FR" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: FR;">Un souffle, un astre <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="FR" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: FR;">La liberté<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="FR" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: FR;">Raquel<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="FR" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: FR;">18 octobre 2013<o:p></o:p></span></div>
Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-16760572117917412592013-10-03T20:57:00.002+01:002013-10-03T20:57:54.963+01:00<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: PT;">Parece-me que vim desaguar a um poço iniciático<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: PT;">Eu sou um rio que se dilui no mar<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: Calibri; mso-ansi-language: PT;">3 de Outubro de 2013<o:p></o:p></span></div>
Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-59415735301445636052013-04-19T22:06:00.001+01:002013-04-19T22:06:37.141+01:00<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span lang="PT" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: PT;">Estação Terminal<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: PT;">O som dos ferros tritura os segundos da paisagem. A
urbe engolida pelo tempo. O subúrbio traz a indiferença das horas. Fica para
trás. Atrás de mim. Recua. Recua no tempo ilimitado. O subúrbio é um poço sem
eco. Vai até Lisboa. Entre Sintra e Lisboa um poço sem eco. Um espelho baço.
Viagem de aço.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: PT;">Trago da cidade o bater dos ferros. O guincho
metálico da adolescência. O som metálico entrecortado pela voz gravada de
mulher. No comboio. Qual mulher? - «Estação terminal». Viagem para a eternidade.
Chego a Sintra. - «Estação terminal». Terminal é a evasão. O ruído o betão o
negrume as sombras sobrepostas das estradas a escola onde não fui hoje. Tudo
ficou triturado ao som dos ferros. Esta é a minha música. Sem melodia. Cadência
percutida. Este é o comboio que me leva a Sintra.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: PT;">Estado terminal – subo a serra e o cheiro a terra e
musgo devolve-me o pensamento.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: PT;">Este silêncio tem mais palavras do que a tua voz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: PT;">Sintra tem o olhar estendido entre a serra e o mar.
O arvoredo engole-me os passos. Subo, subo, fujo. De mim.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: PT;">Do outro lado estende-se o vasto subúrbio. Não o
vejo. Adivinho-o para além da névoa. Que me alberga. Ainda oiço o som dos
ferros. O comboio e a estação terminal. Esta-ção. Ter-mi-nal.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: PT;">Subo a serra como quem levita e se desprende. Subo
até ao ponto mais alto. Onde existe um resto de convento. Na embriaguez do
húmus. Numa náusea avisto o mar. O vasto mar... um extenso monólogo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: PT;">O mar não é apenas o lago que vejo ao longe. É onde
me revejo no espelho dos pensamentos. Onde mergulho e o meu corpo se dissolve.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: PT;">Nesta gradação de verdes consigo pressentir o teu
amor por mim. Não que mo dissesses. Não que te conheça. Mas os meus passos
sobre o empedrado escorregadio, polido pelos passos do tempo, o som da água que
escorre nas veias da serra e que as fontes choram. A terra que anuncia o teu
odor. Tudo me avisa o teu amor por mim. Como numa pintura. Justamente naquela
janela onde vejo a tua eterna espera. Aquela janela em guilhotina tornada a sul
onde se suicidam pensamentos desde as horas extintas do passado. É a janela
onde me apaixono. Decidi assim, do outro lado da estrada, há cerca de um mês e
meio, ou pouco mais. Chovia e a janela fechada. Esbocei-te nas gotas da chuva fria.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: PT;">Eu não estou à tua espera. Não trago relógio nem
sei ler o sol. Hoje está sol depois do bosque cerrado. Já me esquecia de te
avisar, a ti, que esperas na obscuridade. Eu não sei quem és na solidão
cumprida. Não mais do que um esboço feito de chuva. Uma janela fechada, de
guilhotina. Deste solar mudo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: PT;">Quantos servos de vidas sofridas para erguer estes
palácios? Estes bosques, jardins esculpidos na serra. Para ser teu o prazer do
ócio. Tu, sentada nesse demorado retrato, que espreitas por uma moldura
entalhada. Sólida. Dourada. Que te entregas nesse olhar impreciso que atravessa
os tempos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: PT;">Sinto as horas lânguidas dos espectros. O folhear
dos livros dos poetas. E os livros sem letras dos analfabetos. Dos que
esculpiram a eternidade na serra. Leio no silêncio dos teus lábios o que não
posso descrever. Sintra é a confidência do mais profundo desejo, da eternidade imaterial
do mistério. Onde a Natureza e o Homem se abraçam num beijo imenso. É luxúria!, neste brotar constante de arte e
húmus. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: PT;">Regresso ao Cacém. Aparece o João. Não Foste às
aulas? Estive a fazer um trabalho. O que é que estás a ouvir? Gabriel o
Pensador. «Eu quero viver numa favela. Eu quero viver numa favela. Eu quero
viver numa favela...». Esta cidade não tem melodia, percute-se no barulho dos
ferros. O «amor» entra no dicionário e sai no teste de Português. Como na
viagem de comboio. Viagem de aço. O amor é a estação terminal.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<st1:personname productid="Raquel Coelho" w:st="on"><span lang="PT" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: PT;">Raquel Coelho</span></st1:personname><span lang="PT" style="font-family: Arial; mso-ansi-language: PT;"><o:p></o:p></span></div>
Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-40452833020191811532012-11-21T21:56:00.003+00:002012-11-21T21:56:32.744+00:00<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">OS CROCODILOS<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Parem!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Parem de me
enviar emails de fazer tudo e mais alguma coisa!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Peças de teatro, garagens
para alugar, concertos, conferências, ares condicionados, faltas de ar, livros
lançados, contas lançadas, bailados, poesia, impressoras, cartões,
contabilistas, malabaristas, hotéis em promoção, fins-de-semana-de-sonho,
sonhos aos fins-de-semana, palhaços para rir, gargalhadas postiças, aparelhos
auditivos, ópera para surdos, petições com milhares de assinantes e tudo sempre
igual, pior, massacres, paisagens, anedotas, meninos perdidos, e depois outro
email a dizer que era tudo mentira; que não há meninos perdidos, e que era
spam, e outra a denunciar fraude ou uma vigarice qualquer na moda, e o sem-abrigo
pintor que não pode nem a arte nem a vida, e outro a dizer que vamos ser
pobres, pobres, muito pobres!, com os pobres todos do mundo a marchar em passo
de solidariedade, e os que hão-de ser pobres, e guerra com muito sangue, e
ricos na outra ponta, tão distante que até parece que vivem num planeta achado
pela NASA há meia dúzia de dias, que afinal também não existe, nem a NASA, nem
os pobres, nem os dias, e cada vez mais ricos, e cada vez mais pobres, e depois
imagens de gatinhos, macacos, elefantes, tigres e viagens pelo mundo inteiro, e
o mundo a ser tão lindo, tão lindo! E ao
lado, virando a página dos crocodilos, estão os meninos famintos só com os ossos
e o ventre dilatado, e ao lado dele o Papa a apodrecer de ouro na sua podridão
milenar, e os crocodilos com aquelas bocarras escancaradas a não comerem nem o Papa
nem os ricos, não comem nada, os pobres, na sua inocência inaugural... e cabiam
lá todos... o Papa, os ricos, a caridade e a minha agonia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Tocou o telefone.
Era uma espécie de Pai-Natal chamado Citybank... malditos crocodilos!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">21/11/12<o:p></o:p></span></div>
Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-225487649742888277.post-53876330526179365412012-11-21T21:56:00.001+00:002012-11-21T21:56:00.483+00:00<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Ando aqui à
procura não sei do quê.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Hoje, o meu vazio
é uma espécie de pressa de chegar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Chegar aonde? E
por onde ir?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Este vazio que me
dispersa e me faz escrever <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Escrever sem rumo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Dissipa o tempo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Essa pressa <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Essa espera, sem
estar à espera de nada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Será do silêncio<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Todo o dia
quebrado pelo motor do computador<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Já velho?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Este não-sei-quê
sem ossos e sem pele<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Descarnado
informe sujo frio<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Esta voz onde o
apelo é sem vento que o leve<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">É deste grito que
escrevo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Esta pressa<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Este estado de
fuga sem Lá nenhum para onde ir<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">É deste grito
seco do corpo exangue e rouco<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Este olhar p’ra
dentro e só um eco<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Um eco no poço
sem muro<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Perdido entre o
mato e os silvados <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Do abandono<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Onde nem no reflexo
disforme<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">Me desenho.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT">21/11/12<o:p></o:p></span></div>
Raquel Coelhohttp://www.blogger.com/profile/13050016415466002271noreply@blogger.com0