segunda-feira, 19 de maio de 2008

A Antiviagem

A Antiviagem
ou o tempo estagnado (a um amigo... ou a qualquer escriturário devidamente empacotado)

Vem!
Deixa o teu sonho
Emoldurado nessa parede suja
Não te deixes devorar
Pelos vermes
Que anseiam a tua carne
Parado aí putrefacto...
Vem!
Não deixes cair os teus dias
De pálpebras pendentes
Não deixes ficar o baço dos teus olhos
Sobre o vai-vem rotinado
Dos dias a passar
Páginas brancas
Desfolhadas
Folheadas entre dedos em torno de nada...
Vem!
Não cuspas assim
pró chão
Que o som do cuspo batendo na calçada
É a música
Muda da cidade embrutecida.
Sempre os mesmos escarros
Vazios de verdade...
Quando cuspires cospe com raiva!
Sempre a mesma resignação
Os graffiti mudos desse muro
Onde passas os dias a ver passar o mundo...
Deserto imundo...
Pega no teu sonho e foge
Há sempre um sonho
Mesmo que esmagado
Foge desse muro
Como um dito marginal que roubou
O sonho alheio
Mas foge
Mesmo
Como quem rouba...
Prometeu roubou aos deuses... o fogo...
Se preferes ser marginal
Ou mesmo que não prefiras nada
Vem!

Acabou o teu tempo
Já não podes levantar o brilho desse olhar
Sorvido pelos vermes
As mão desossadas
Deixam passar os momentos que seriam teus
As pálpebras roídas
Deixam ver na profundidade
O outrora brilho do teu olhar
Que os vermes te sorveram.
Essa ironia que vendias
Encostado a esse muro
Onde a vida embalada
Pela música dos escarros que foste cuspindo
Serve-te de mortalha aí
Onde as tuas ratazanas de companhia
Se ocuparão do enterro, do velório
E da missa do sétimo dia.

«É certo que eu não pensava que, consumido por tais sofrimentos e agrilhoado a estes altos rochedos, me caberia em sorte este pico ermo e solitário.»

19/06/2002

Sem comentários: