quarta-feira, 21 de novembro de 2012


OS CROCODILOS


Parem!
Parem de me enviar emails de fazer tudo e mais alguma coisa!
Peças de teatro, garagens para alugar, concertos, conferências, ares condicionados, faltas de ar, livros lançados, contas lançadas, bailados, poesia, impressoras, cartões, contabilistas, malabaristas, hotéis em promoção, fins-de-semana-de-sonho, sonhos aos fins-de-semana, palhaços para rir, gargalhadas postiças, aparelhos auditivos, ópera para surdos, petições com milhares de assinantes e tudo sempre igual, pior, massacres, paisagens, anedotas, meninos perdidos, e depois outro email a dizer que era tudo mentira; que não há meninos perdidos, e que era spam, e outra a denunciar fraude ou uma vigarice qualquer na moda, e o sem-abrigo pintor que não pode nem a arte nem a vida, e outro a dizer que vamos ser pobres, pobres, muito pobres!, com os pobres todos do mundo a marchar em passo de solidariedade, e os que hão-de ser pobres, e guerra com muito sangue, e ricos na outra ponta, tão distante que até parece que vivem num planeta achado pela NASA há meia dúzia de dias, que afinal também não existe, nem a NASA, nem os pobres, nem os dias, e cada vez mais ricos, e cada vez mais pobres, e depois imagens de gatinhos, macacos, elefantes, tigres e viagens pelo mundo inteiro, e o mundo a ser tão lindo, tão lindo!  E ao lado, virando a página dos crocodilos, estão os meninos famintos só com os ossos e o ventre dilatado, e ao lado dele o Papa a apodrecer de ouro na sua podridão milenar, e os crocodilos com aquelas bocarras escancaradas a não comerem nem o Papa nem os ricos, não comem nada, os pobres, na sua inocência inaugural... e cabiam lá todos... o Papa, os ricos, a caridade e a minha agonia.
Tocou o telefone. Era uma espécie de Pai-Natal chamado Citybank... malditos crocodilos!

21/11/12

Ando aqui à procura não sei do quê.

Hoje, o meu vazio é uma espécie de pressa de chegar.
Chegar aonde? E por onde ir?

Este vazio que me dispersa e me faz escrever
Escrever sem rumo
Dissipa o tempo
Essa pressa 
Essa espera, sem estar à espera de nada.

Será do silêncio
Todo o dia quebrado pelo motor do computador
Já velho?

Este não-sei-quê sem ossos e sem pele
Descarnado informe sujo frio
Esta voz onde o apelo é sem vento que o leve

É deste grito que escrevo
Esta pressa
Este estado de fuga sem Lá nenhum para onde ir

É deste grito seco do corpo exangue e rouco
Este olhar p’ra dentro e só um eco
Um eco no poço sem muro
Perdido entre o mato e os silvados
Do abandono

Onde nem no reflexo disforme
Me desenho.

21/11/12

quinta-feira, 28 de junho de 2012


Portugal

Esculpido pelas marés
Porto distante
Que o oceano abraça
Em solidão

A inconstância das ondas
A ilusão da espuma
O abismo das águas fundas

És tu, Portugal
Uma miragem
Um eco, um vento
Uma passagem

Porto de luz
És o cais nocturno
(Onde dormitam os astros)

Improvável
Sem aurora

O amanhã é só uma palavra
Que o mar retalha em espasmos lentos
Uma promessa adiada.

Raquel
28/06/2012

domingo, 17 de junho de 2012


Domingo de manhã. O café da Estrada de Benfica. O homem na última mesa do café, estava como quem lê o jornal em desamor. Era só, na sala contígua à do balcão, e observava em dor os pares, os grupos, as conversas animadas da primeira sala. Observava os sozinhos que, como eu, à pressa, se acercavam do balcão, enquanto simulava ler aquele jornal aberto na estratégica página da solidão. E no seu rosto vincado havia traços de repúdio, abeirado do sofrimento. Em precipício. Dois jovens sugiram, mão na mão, sorrindo, e o homem ocultou-se, impenetrável, por detrás daquele biombo, que na capa dizia «Público».

17/06/2012
Raquel

Domingo de manhã. Estrada de Benfica. Passou um cão igual à dona, presos pela mesma trela; o mesmo olhar, o mesmo andar, a mesma altivez. Mas o cão, que trazia a vantagem de não ser humano, olhou-me como quem cumprimenta.

17/06/2012
Raquel

Domingo de manhã estacionada junto ao vidrão. O homem passou em passo lento com dois sacos de assas, um em cada mão, cheios com garrafas de litro vazias. Olhei para os sacos e fixei-o, sem reparar que ali me ficara o olhar suspenso enquanto os pensamentos me alhearam. O homem com a alma recurvada de ressaca, reparou que o observava e desviou-se, e aos sacos, fugindo à possibilidade da sua bebedeira do dia antes. Ela notava-se num amanhecer em vincos depois da festa, mas o meu olhar estava suspenso, não no dedo que aponta que te embebedaste, mas numa quase nostalgia demasiado lúcida de desejo de uma festa... embriaguez falhada. O som dos vidros estilhaçados no contentor: a música remanescente da véspera. Moral da história: Quando se trabalha aos Domingos, bebe-se a ressaca alheia. Moral da história II: quando não se tem festa há muito tempo, não estacionar junto ao vidrão. Moral da história III: Faça-se Festa!


17/06/2012
Raquel

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Destruir livros...


Depressão

Abismo

Desumanização

Des-memória

Extermínio

Esgotamento

Treva


Abater livros...


Prenúncio-de-Fome

E Miséria (séria)

Renúncia Social

Guerra

Desaforo

Holocausto

Caos


Apagar livros...


Desistência

Apatia

Demência

Prostração

Indiferença

Dor

Solidão

Desamor

Desamorte

Desnorte

(a Bússola...)

Fim.

19/04/2012