terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

 Necessidade de me afastar dos turistas. De certos turistas. Não se consegue ver Gaudi. Não há silêncio. Preciso de silêncio para ver. Não me parece que alguém consiga sentir arte com esta agitação. Numa algazarra lambida de selfies. Terminei a manhã acometida por uma angústia proporcional à esmagadora Sagrada Família. Uma beleza incomensurável abafada pela fermentação de vozes e a agitação obstinada de corpos com as quais não pude conviver. Lá se escoou o divino da arte. Primeiro enfiei-me numa tasca numa ruela recôndita. Sem pergaminhos turísticos: cartazes da bola, flores de plástico, mesas vazias, um homem a beber e a ler o jornal. Foi um descanso. Depois, o museu. Felizmente, existem museus, e a arte contemporânea não é procurada pelo turismo de massas. Pude encontrar tranquilidade e belíssimas exposições / instalações no Museu de Arte Contemporânea de Barcelona. Passei lá uma tarde perfeita, até fechar. Esbanjei emoções. Quase rebolei no chão, como no mar. À saída, num beco, perdida a frase “touristes go home!”. Há uma vertente de consumo em certo turismo que se assemelha aos saldos da Primark. Ao lado do hotel, onde estou alojada, há uma enorme Primark num edifício belíssimo, com filas intermináveis de pessoas de todas as línguas. Parece-me que o mundo inteiro veio aos saldos a Barcelona. Mais adiante, uma praça, onde muitos turistas passam o dia a fotografar pombos. Aqui, como em Lisboa, também há muitas pessoas a dormir na rua, em tendas e em cartões. Julgo que o crescimento deste turismo da selfie é directamente proporcional ao crescimento de pessoas que dormem na rua. O que procuram estas pessoas? Os turistas procuram “felicidade”? E as pessoas condicionadas à rua? procuravam “felicidade”? A “felicidade” consubstancia-se quando alcançamos as nossas ambições? As pessoas a acotovelarem-se por uma selfie, com a Sagrada Família como pano de fundo, pareciam felizes. E eu a ver crescer em mim um abismo de angústia. Quando entrei na primeira instalação do museu, subi acima dos anjos colocados no topo da catedral. Estou em Barcelona porque a minha família me empandeirou para aqui, achando que eu precisava de férias. Ofereceram-me esta viagem (obrigatória) no Natal. Foi uma espécie de complot de amor (acho que isto não existe, mas juntaram-se todos para me mandar descansar). E aqui estou, a viver plenamente esta belíssima cidade, com tudo o que isso implica. Já vou conhecendo os cantos à casa, os caminhos de silêncio, onde consigo pensar, deambular, transgredir. Preciso de transgressão, e esta cidade oferece essa possibilidade; tem espaço e luz. Gravita em arte. Quando aqui cheguei, saí do hotel e caminhei instintivamente até ao mar. É a minha maneira de me instalar.


Barcelona, 15/01/2024