quinta-feira, 29 de abril de 2010

Dedicatória

«Vinde Ilusões! Da vida, na manhã,
Como amava fixar vosso inconstante afã!
É essa uma vaidade que ainda me interessa.
Aproximem-se!... Bem; tudo se anima e apressa
Por cima da neblina e num mais vasto mundo,
Meu coração, mais novo, aspira mais depressa
O sopro da magia em torno a vós, profundo.

Dos belos dias idos eu distingo as imagens,
E muita sombra querida vem para mim, dos céus;
Fogo reanimado atravessando idades,
O amor e a amizade repovoam lugares.
Mas o desgosto segue-os; nas nossas casas tristes,
Nunca a alegria esteve a não ser por metades...
Vêm lembrar aqueles que nas amáveis horas
Levados pela morte deixaram bons amigos.
Aquela voz que amavam ressoa com ternura,
Mas não pode chegar aos mortos que procura;
Eu perdi da amizade a atenção benévola,
E o meu primeiro orgulho, e os primeiros acordes!
Minhas canções só falam a ignotas multidões,
Mas os aplausos são vazios de intenções,
E se em mim a alegria por vezes foi sentida,
Parecia vaguear na terra destruída.
Um desejo esquecido, que quer voltar a ser,
Vem, numa longa paz, minha alma comover;
Mas, inarticulado, o meu canto parece
Ser o de um alaúde onde a brisa estremece.
Sinto-me emocionado: não de lágrimas novas,
A noite da minha alma tornou-se menos triste;
Dos meus dias de outrora reviveram as trovas,
E aquilo que não é, para mim ainda existe.»
Fausto, Goethe.

3 comentários:

Luís Simões da Cunha disse...

Este é o único sítio da Web que se encontra no Google ao procurar a frase de abertura desta tradução do Fausto, que tanto me influenciou...

"Vinde ilusões da vida na manhã"

Muito obrigado, Raquel...

Eu sou fã da Internet e passo uma boa parte dos meus dias (quando posso) a "surfar" na Web...

Tenho 37 anos, e cresci sem Internet... mas com livros...

O nosso Mundo não era assim tão pobre...

Como é que ninguém mais fala destes versos no ciberespaço?

Muito obrigado!

Raquel Coelho disse...

Luís, Muito obrigada pelas suas palavras. É bom saber que aquilo que partilhamos é recebido com agrado e entusiasmo. Não respondi antes por não ter reparado na existência desta mensagem. Também gosto muito deste texto. Bem haja!

Unknown disse...

Olá, Raquel, como vai? Chamo-me Diego e gostaria de lhe pedir uma enorme gentileza: não conheço essa tradução do Fausto e estou curiosíssimo. Poderia me dizer de quem é e em que edição foi publicada? Conheço uma boa quantidade de traduções do Fausto (tanto brasileiras quanto portuguesas), mas essa não é nenhuma das que conheço e adoraria reverter esse quadro! Desde já, muito obrigado pela atenção. Abraços e até breve.