quinta-feira, 22 de março de 2018

A ESQUINA


Encontrei-me contigo numa esquina
Não foi bem um encontro
Foi um encontrão
Vínhamos distraídos
Íamos distraídos porque
o amor
na agitação da cidade
os prédios a tombar de gente
os autocarros a cuspirem horas
(de atraso)
De quê?
os passos tropeçados nos escarros dos passeios
Enfim, no meio da pressa
Esquecemo-nos da vida
Dizia eu que
O amor
Tinha ficado esquecido talvez
No assento sujo
Do táxi naquela manhã
Em que
O despertador não
Soou.
Que manhã!...
Com a pressa porque o despertador não tocou
O telefone caído no
Duche o autocarro
A deixar a paragem
Corri…
Mas caiu-me do bolso
Gritei
Gritei pelo táxi e por tudo o que perdi
POR TUDO O QUE PERDI
Gritei pelo táxi
Que vinha a passar mal
O autocarro largou da paragem
Parecia de propósito
Logo naquela manhã em que iria encontrar a esquina onde me cruzaria contigo e…
TAXI! TAXI!
Gritei
Ofegante entrei disse o nome
Da rua o trajecto mais curto
Tinha muita pressa nunca me tinha atrasado
O despertador
Falhou só daquela vez
Disse o trajecto mais curto passou
Alguns vermelhos e cheguei
Pouco antes de ser despedido
Julgo eu… Talvez
Tenha sido despedido antes de chegar
Mas não o pude saber
(Não pude saber o que aconteceu antes de eu ter chegado)
Foi nessa manhã
Perdi tudo mas tive a sorte
De encontrar o meu nome entornado
Na berma da estrada era ele
Era ele sem mim
Mas de que me serviria um nome sem gente lá dentro?
Quando curvei a esquina tu
Já tinhas partido
Curvei e recurvei a esquina para
Te encontrar
Tinha a certeza que naquela manhã
Me iria encontrar contigo
Nessa esquina
Era a esquina onde te pediria que me desculpasses
O encontrão
(um acaso)
Onde saberias que iria distraído
Era esse o momento de te sorrir
Quando te pedisse desculpa
Ficarias a olhar-me
surpreendida
e talvez me respondesses qualquer coisa
Convidar-te-ia para um café dir-te-ia
O meu nome
(sem ninguém lá dentro, sim, mas
era o que tinha para te oferecer)
Dar-te ia o número do meu telefone
caído no duche perderia o autocarro e talvez
surgisse o táxi onde
naquela manhã deixei
o amor
Convidar-te-ia para um café fora
Da cidade junto ao mar

Mas o mar ondeia sempre
Em movimentos
Circulares
Cir-cu-lares…
Como poderia
Ali
Descobrir a esquina parada onde
Sei que te encontraria?
Como poderia
fora da cidade das janelas cegas
Dos autocarros perdidos dos despertadores
Caídos na berma da estrada…
Como poderia encontrar-te num mar
Sem esquinas?


Raquel Coelho
21 de Março de 2018





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