« - Bem sei que podem perseguir-me, arrancar-me os olhos, torcer-me as orelhas, transformar-me em lagarto, em morcego, em aranha, em lacrau! Mas juro que não hei-de ser infeliz PORQUE NÃO QUERO.» [Aventuras de João Sem Medo - Panfleto Mágico em forma de Romance, José Gomes Ferreira] «Fica a saber claramente:não trocaria a minha desgraça pela tua servidão.» [Fala de Prometeu, em Prometeu Agrilhoado, Ésquilo]
segunda-feira, 31 de maio de 2010
Se
Uma sombra vaga mingua
O fim de um lago em abismo
Uma serra tão antiga se resvala
Se
De um raio de Sol se queda água
De um Verão pleno neva a alma
De um Não te asseveras
E
Um Adeus regressa
De um Sorriso a raiva
Do Amor a praga
E se
Um dia não te Perdes
Não te Sentes
Não Vagueias
E te Descobres
31/05/2010
Rk
quinta-feira, 27 de maio de 2010
O silêncio do mar
Quando convivíamos com sereias e tritões
E os nossos mares tinham as partidas
Que eles guardavam
E os marinheiros neles confessavam
E partiam
Quando os pescadores atentos
Escondiam o pescado
Que, por malandrice, os homens-marinhos lhe roubavam
Quando o camponês nas infindáveis horas da labuta
A estancava, não pelo descanso desejado, mas pelo cantar doce da sereia
E no pomar fecundo, pela madrugada, já se lamentava
Pela falta dos frutos já prontos prá colheita
Que jovens tritões à beira-mar
Saboreavam
Sabia-se muito bem que dormiam sobre as rochas
E brincavam na areia durante o amanhecer
E que alguns se acomodaram à vida dos homens
Outros pereceram no mar do silêncio.
E a sereia nunca mais cantou.
Raquel
27/05/10
quinta-feira, 29 de abril de 2010
Dedicatória
Como amava fixar vosso inconstante afã!
É essa uma vaidade que ainda me interessa.
Aproximem-se!... Bem; tudo se anima e apressa
Por cima da neblina e num mais vasto mundo,
Meu coração, mais novo, aspira mais depressa
O sopro da magia em torno a vós, profundo.
Dos belos dias idos eu distingo as imagens,
E muita sombra querida vem para mim, dos céus;
Fogo reanimado atravessando idades,
O amor e a amizade repovoam lugares.
Mas o desgosto segue-os; nas nossas casas tristes,
Nunca a alegria esteve a não ser por metades...
Vêm lembrar aqueles que nas amáveis horas
Levados pela morte deixaram bons amigos.
Aquela voz que amavam ressoa com ternura,
Mas não pode chegar aos mortos que procura;
Eu perdi da amizade a atenção benévola,
E o meu primeiro orgulho, e os primeiros acordes!
Minhas canções só falam a ignotas multidões,
Mas os aplausos são vazios de intenções,
E se em mim a alegria por vezes foi sentida,
Parecia vaguear na terra destruída.
Um desejo esquecido, que quer voltar a ser,
Vem, numa longa paz, minha alma comover;
Mas, inarticulado, o meu canto parece
Ser o de um alaúde onde a brisa estremece.
Sinto-me emocionado: não de lágrimas novas,
A noite da minha alma tornou-se menos triste;
Dos meus dias de outrora reviveram as trovas,
E aquilo que não é, para mim ainda existe.»
Fausto, Goethe.
quarta-feira, 3 de março de 2010
Havia uma semana que se abrira concurso para uma cadeira de substituto na Escola, e preparava-se para ele. (...) Mas a certeza da sua superioridade não o tranquilizava – porque enfim em Portugal, não é verdade?, nestas questões a ciência, o estudo, o talento são uma história, o principal são os padrinhos! Ele não os tinha – e o seu concorrente, um sensaborão, era sobrinho de um director-geral, tinha parentes na câmara, era um colosso!»
O Primo Bazílio de Eça de Queiroz, 23ª Ed., Edição «Livros do Brasil», Lisboa, pp. 193, 194.
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
- Porquê os judeus? – Perguntei a Salvador.
E ele respondeu-me:
- E porque não?
E explicou-me que toda a vida tinham ouvido os pregadores que os judeus eram os inimigos da cristandade e acumulavam os bens que a eles lhes eram negados. Perguntei-lhe se não era porém verdade que os bens eram acumulados pelos senhores e pelos bispos, através das décimas, e que, portanto, os pastorelli não combatiam os seus verdadeiros inimigos. Respondeu-me que, quando os verdadeiros inimigos são demasiado fortes, é preciso então escolher inimigos mais fracos. Reflecti que, por esse motivo, os simples são assim chamados. Só os poderosos sabem sempre com grande clareza quem são os seus verdadeiros inimigos. [...]
Perguntei quem tinha metido na cabeça à multidão que era preciso atacar os judeus. Salvador não se recordava. Creio que, quando se reúnem tais multidões seguindo uma promessa e pedindo de imediato alguma coisa, nunca se sabe quem fala no meio deles. (...)
O Nome da Rosa, H. Eco
segunda-feira, 20 de julho de 2009
segunda-feira, 6 de julho de 2009
(…) – Assim tão mau é ser poeta? – replicou Preciosa.
- Mau não é – disse o pajem - , mas ser poeta somente não o considero muito bom. Deve usar-se a poesia como jóia preciosa que o dono não traz todos os dias, nem mostra a toda a gente, nem a cada passo, mas só quando convém e há razão para mostrá-la. (…)
Miguel de Cervantes – A Ciganita